VELHAS MENTIRAS NO NOVO JORNAL

Na sexta-feira, 15 de janeiro de 2010, foi publicado no Novo Jornal, na coluna Roda Viva – autoria do senhor Cassiano Arruda Câmara – um artigo horrivelmente tendencioso sobre os indígenas do Rio Grande do Norte.

Manifestando argumentos ultrapassados e uma série de inverdades, o próprio título do artigo nos traz à memória uma mentira difundida há séculos, estereotipada, difundida em solo brasileiro por invasores europeus durante o processo de colonização: a falsa idéia de que o indígena, ao contrário do português invasor, era preguiçoso. Seguem o título do tendencioso artigo e alguns comentários - superficiais - sobre certos trechos do texto:

“ÍNDIO QUER MOLEZA” – é o título da brincadeira de mau gosto do senhor Cassiano Câmara.

“É difícil encontrar alguma coisa mais inconsistente do que um movimento indígena no Rio Grande do Norte. Afinal, aqui só existe índio em tempo de carnaval, assim mesmo as tribos continuam a existir para não perder as subvenções da Prefeitura”.

Após 500 anos de opressão e massacres, entre 11 e 14 de dezembro de 2009 foi realizada pela FUNAI e pelo Governo Federal, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, a 1° Assembléia Indígena do Rio Grande do Norte, na qual estiveram presentes indígenas de quatro comunidades norte-rio-grandenses. O encontro deu continuidade a eventos anteriores (ocorridos em 2005, na UFRN e na Paraíba; e em 2008, em Natal e Fortaleza). Onde estaria a inconsistência de grupos que há anos vêm se organizando para reconstruir suas culturas e assumir suas identidades?

Outra questão com pouco fundamento levantada pelo senhor Cassiano Câmara é a estória das “subvenções da Prefeitura”. Que prefeitura? Seria a prefeitura de Canguaretama, a de Goianinha, a do Assu ou a de João Câmara? Nesses municípios, remanescentes indígenas tiveram coragem de assumir suas identidades. Independente disso, quais subvenções as prefeituras lhes oferecem? Cassiano Câmara sequer cita uma das benditas “subvenções”.

“[...] ser índio no Brasil tornou-se uma profissão e até um grande negócio.”

Só estando na pele dos índios para saber o “grande negócio” que é sofrer preconceitos de todos os lados – de grande parte da população que vive nos centros urbanos e, principalmente, da imprensa burguesa do tipo NOVO JORNAL – além de ser obrigado a aceitar o maldito modo de produção antiecológico capitalista que, como rolo compressor estraçalha, extermina e destrói culturas autênticas de povos ameríndios, inclusive daqueles que corajosamente assumem o “Ser” indígena buscando resgatar suas histórias e culturas.

“A Turma que faz esporte de aventura tem de pagar pedágio na vizinha Paraíba, onde existe um núcleo remanescente da tribo dos Potiguaras”.

Caríssimo leitor, o senhor deixaria que terceiros entrassem em tua casa, usassem teus eletrodomésticos, dormissem em tua cama, comessem tua comida, usassem teu banheiro, deixassem a sala suja e saíssem impunes? Creio que não. Quem limpa a sujeira da “turma que faz esporte de aventura” são os índios – os mesmos que outrora foram os primeiros habitantes e donos das terras do país em que vivemos. Após terem sido assaltados e exterminados em massa ao longo de séculos de colonização, os “remanescentes da tribo dos Potiguaras” têm o direito de cobrar o que acharem justo para aqueles que entram na pouca terra que o Estado lhes concede.

A partir do sexto parágrafo o senhor Cassiano inicia uma série de absurdos gritantes:

Por aqui, felizmente, desde que o índio Poti adotou o nome de Felipe Camarão e virou capitão das forças de Portugal, que aconteceu um processo de miscigenação que não deixou diferenças entre as diversas comunidades que fizeram o nosso Rio Grande do Norte.”

Cassiano Arruda Câmara, além de desconhecer a questão indígena norte-rio-grandense, desconhece a questão dos descendentes africanos – das famílias quilombolas da comunidade de Capoeiras, em Macaíba (RN), por exemplo. Há diferenças, senhor Arruda Câmara, diferenças que o intenso processo de miscigenação foi incapaz de eliminar – diversidades culturais e econômicas que vão além da cor da pele e dos traços do rosto.

“Este NOVO JORNAL foi até a comunidade do Catu, nas cercanias de Canguaretama, que tem uma população de 700 moradores, 10% dos quais se dizem índios. O depoimento mais contundente de um representante desta etnia – dos índios tapuias – baseia-se numa conversa que ouviu do pai, afirmando que sua avó era uma índia.
Já imaginou se algum mais sabido resolve seguir esse caminho, a transplanta para teoria da evolução, de Darwin, e termina conseguindo um diploma de símio...”


Todo o trecho citado acima é cretino. Através de que pesquisa estatística o senhor Cassiano Câmara pode afirmar que 10% dos moradores do Catu se dizem índios? O senhor Arruda e o NOVO JORNAL menosprezam a história oral dos moradores do Catu, assim como suas memórias. No Catu não há um único depoimento “mais contundente” dado por um representante étnico – há vários depoimentos importantíssimos para a História do Rio Grande do Norte, depoimentos de jovens e adultos segundo os quais fica patente que suas avós e bisavós não conseguiam se adaptar ao modo fixo, sedentário, de viver e preferiram habitar as matas no velho estilo nômade e seminômade dos índios que outrora habitaram o Brasil, correndo todos os riscos da época. O NOVO JORNAL pode até ter enviado um representante que passou ligeiro na comunidade Catu dos Eleotérios, localizada entre Canguaretama e Goianinha – mas o senhor Cassiano, nunca esteve por lá.

“Já imaginou se algum mais sabido resolve seguir esse caminho, a transplanta para teoria da evolução, de Darwin, e termina conseguindo um diploma de símio...”

Diploma de símio não existe, seu Arruda. Mas acredito que em alguns casos fosse mais digno ser um símio do que portar um diploma de jornalista. Aliás, não sei como certos "intelectuais" conseguem obter diplomas...
Será que Arruda ou o NOVO JORNAL conhece ou procurou conhecer as causas históricas que levaram considerável porcentagem da população do Catu a atualmente não assumir-se indígena? Arruda menospreza, ridiculariza, inferioriza não apenas os depoimentos, mas a história e a cultura dos moradores do Catu – um menosprezo sem fundamento calcado em calúnias que apontam um péssimo trabalho da “equipe” do NOVO JORNAL.

“Em Catu não existe ninguém que fale outro idioma que não seja o português.”

O senhor Cassiano Arruda Câmara desconhece História do Brasil. Em 1755, Marquês de Pombal proibiu as línguas indígenas no Brasil e transformou as missões católicas em vilas, substituindo os diretores padres por diretores laicos que exploravam a mão-de-obra indígena. Se até a primeira metade do século XVIII a língua mais falada no litoral brasileiro era o Tupi, de 1755 em diante essa e outras línguas nativas foram proibidas – repressão que se estendeu em muitas aldeias brasileiras até a década de 1970. Assim, em diversas tribos do Brasil o NOVO JORNAL irá encontrar muito índio falando português, da mesma forma que irá encontrar muitos índios reaprendendo o Tupi Antigo, a língua de seus ancestrais. Seria muito bom para a cultura da equipe do NOVO JORNAL que o senhor Cassiano estudasse algumas obras fundamentais de Luís da Câmara Cascudo, Tavares de Lira, Tarcísio Medeiros, Denise Monteiro e Francisco Alves Galvão Neto. Acredito que com um estudo um pouco mais aprofundado seriam evitadas matérias tão horrendas, para não dizer "maliciosas".

“Ninguém se dedica a caça e pesca.”

Isso é uma meia verdade. No Catu quase não há o que se caçar – o fogo da usina Estivas destruiu a maior parte da fauna e da flora nativas. Agora, afirmar que ninguém se dedica à pesca é uma mentira quase tão grande quanto dizer que “nenhum dos moradores pratica a agricultura” (outra mentira do NOVO JORNAL que questionarei em breve). O leitor que quiser comprovar visite o Catu e procure conhecer os trabalhadores da região.

“Quase todos moram em casas de alvenaria dotadas de água encanada, luz elétrica, fogão, geladeira, tevê e computador. Não se identificou qualquer disposição de nenhum deles retornar ao estágio primitivo, adotando a condição de silvícola”

Teria o NOVO JORNAL visitado todas as famílias do Catu dos Eleotérios e feito entrevistas com ao menos 10% dos moradores? A resposta é “não”. No Catu inteiro há três computadores, um dos quais sequer foi instalado na escola da comunidade. Lembre-se, Cassiano Arruda, que o Catu não é uma tribo indígena localizada no Alto Xingu, mas uma comunidade formada por descendentes indígenas que buscam reconstruir suas culturas e que ainda conservam traços da mitologia e do modo de vida e trabalho autóctone. Por mais explorados que sejam ou tenham sido, são trabalhadores que além da agricultura de subsistência, vendem parte do que cultivam e pescam e apenas uma minoria é contratada pelas prefeituras de Canguaretama e Goianinha. Além do fato da comunidade estar localizada entre esses dois municípios, seus habitantes estão inseridos em um contexto especificamente capitalista – o que os leva a consumir o que o capitalismo oferece. Mas parece que para o senhor, ser índio é viver no “estágio primitivo” (termo eurocêntrico ultrapassado mal utilizado na Antropologia atual), ou seja, o senhor deve acreditar que para ser índio é preciso viver nu no meio da mata, sem saber ler ou escrever, comendo carne humana em rituais antropofágicos

Link para ler o artigo na íntegra: http://www.novojornal.jor.br/2010/15012010/15opi04.pdf

Comentários

  1. Os dois maiores mandamentos:
    Amar a Deus sobre todas as coisas
    e ao próximo como a nós mesmos
    ***************************
    Lampada para os meus pés é a tua palavra
    E luz para os meus caminhos Senhor.

    nisto se resume toda a teológia Cristã,
    penso que td estudo que não professar
    que a Trindade é infinitamente intrísica,
    não precisa de mais nd.

    Amo ler o teu Blog, há algum tempo sem lê-lo,
    por problemas outros...
    Parabéns pela tua criatividade!
    Graça e Paz, Amém?

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  2. Boa Noite
    li seu texto rechachando o NOVO JORNAL e Diante disso tudo queria sugerir, pq vc nao convida a assoc, de moradores do Catu a pedir na justica o direito de resposta.Isso é uma guerra ideológica e os moradores mrecem respeito e´o direito de resposta.

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