URUTÓPIÃG: A religião dos Pajés e dos Espíritos da Selva

Faz pouco tempo que acabei de ler URUTÓPIÃG. Eis um bom livro, para quem tem interesse em se aprofundar na espiritualidade indígena. URUTÓPIÃG é a religião dos paié Saterê-Mawê (povo do tronco Tupi, que vive em um território fronteiriço entre os estados do Amazonas e do Pará). É uma das tantas Tradições Sagradas que teima em resistir, malgrado os mais de 300 anos nos quais catequeses católicas e protestantes investiram contra a cultura do povo Mawé e outras sociedades indígenas. Vejamos algumas palavras do autor do livro - o índio Yaguarê Yamã:

"Esta é uma pesquisa feita por meio de conversas com pajés, os sacerdotes da religião antiga dos Mawés. Apesar de a área indígena Andirá-Maráw e suas vizinhanças estarem completamente cheias de leis cristãs desembarcadas nos primeiros contatos entre brancos e índios há 300 anos, quando os franciscanos portugueses implantaram a crença católica na Amazônia, e apesar de a cultura Mawé vir sendo novamente bombardeada a algumas décadas, dessa vez por dogmas e princípios de religiões evangélicas, com destaque para a igreja Adventista, Pentecostal e Assembléia de Deus que, juntas com a igreja Católica, arrebanharam a maioria quase absoluta das pessoas pertencentes a essa etnia, apesar de tudo isso, ainda assim, calada e tímida, como os próprios Mawés, insiste em existir uma crença tão antiga quanto a origem dos "filhos do guaraná". A crença na Urutópiag.
Resistindo quase que por "magia", sobrevive numa atualidade tão difícil quanto foi desde os tempos das colônias, quando houve a aculturação forçada promovida pelos padres para obrigar os nativos a abandonarem suas crenças e aceitar a fé cristã, assim vive nos dias de hoje, onde é alvo de preconceito de evangélicos que, não contentes com os milhares de índios convertidos, tentam apagá-la totalmente de suas lembranças, declarando-a imoral e pagã.
O índio, por sua vez, esqueceu seus princípios. Todo conhecimento sobre sua origem esbarra no seu conteúdo. A falta de conhecimento sobre sua crença origina é o resultado de séculos de esforço dos pastores e padres para fazê-lo esquecer sua cultura que depende muito de sua crença religiosa.
Ainda assim, ela sobrevive. Mesmo que seja pelo cuidado de pouquíssimas pessoas que, também como ela, são severamente criticadas pelos "evangelizadores do mundo".
Dessas pessoas, são mais os pajés que ainda lhe dão crédito, aqueles que têm nas mãos, o zelo absoluto por ela. E dos pajés, geralmente índios idosos que ainda conhecem bastante sobre seus princípios. Foram eles, algumas dezenas de pessoas, entre elas cristãos convertidos que apesar de serem batizados e seguir os preceitos do cristianismo, ainda trazem em seu cotidiano algumas práticas dos fundamentos daquela que para eles um dia se chamou URUTÓPIÃG: (nossa crença, fundada desde os tempos mais antigos, e reafirmada por comunidades, ainda tradicionais e que cultuam os seres sobrenaturais da floresta).
É esse o livro dos Deuses e da prática da URUTÓPIÃG, no qual revelamos aos povos além das fronteiras da selva dos Mawés, os segredos do mundo verde e de suas leis.
Achamos que deveria ser conhecida, e assim afastar de uma vez a ameaça de sua extinção ou pelo menos mostrar os preceitos e o conhecimento de uma religião tradicional indígena em sua mais pura essência como é a crença tradicional dos Saterê-Mawês.
Mas não é somente a crença antiga dos Mawés que está ameaçada. Por causa de religiões, como as evangélicas, que buscam promover a igualdade religiosa e a salvação para os "pagãos", inúmeras formas de crenças religiosas jazem extintas, as últimas ainda sobreviventes tentam resistir no meio de tantas dificuldades.
A cultura desse povo é muito rica, sua crença também é sem igual. O conhecimento dos velhos pajés, bastiões da resistência da URUTÓPIÃG, é passado em fim, para a escrita. Antes que morram, e que se extinguam os mais sábios dos sábios das florestas, em meu coração, como filho do povo desta terra, sinto a felicidade de poder ajudar e atentar para uma sabedoria que infelizmente para muitos já é desconhecida: A SABEDORIA DA RELIGIÃO ANTIGA DOS MAWÉS." (Os trechos em negrito não se encontram no texto original).

Por ser do tronco Tupi, a Tradição dos Mawé possui muito em comum com os Potiguara do litoral do Nordeste brasileiro. Esse é um dos textos que considero importante, tanto para quem gostaria de conhecer melhor os fundamentos da espiritualidade dos povos originários, quanto para aqueles que lutam em preservar e restaurar as Tradições de seus ancestrais. Valorizemos nossas culturas e nossa ancestralidade espiritual. Esse é nosso verdadeiro patrimônio.

Referência bibliográfica: YAMÃ, Yaguarê. URUTÓPIÃG: a religião dos pajés e dos espíritos da selva / Yaguaré Yamã. São Paulo: IBRASA, 2004.

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